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01/03/2010 | reforma do CPC
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Com a retomada dos trabalhos do Congresso, o Senado deverá dar início à segunda etapa de elaboração do projeto de reforma do Código de Processo Civil (CPC), que data de 1973 e se encontra desatualizado. Na primeira etapa, uma comissão de 12 juristas, chefiada pelo ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu 80 diretrizes para a reforma e encarregou um relator de preparar um anteprojeto que, a partir de março, será submetido a audiências públicas.
O objetivo da reforma é reduzir o número de recursos e racionalizar a tramitação dos processos, sem comprometer o direito de defesa. Ao valorizar o chamado "garantismo processual", o CPC em vigor peca pelo excesso de formalismo e pelo grande número de recursos, o que provoca a lentidão dos processos e congestiona os tribunais. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 45 milhões de ações tramitavam nas varas judiciais do País no final de 2008. Em vários tribunais, há processos que foram protocolados há mais de vinte anos e ainda não foram julgados em caráter definitivo. Os responsáveis pela reforma do CPC querem que o prazo médio de tramitação de uma ação fique em torno de apenas dois anos.
Para que isso seja possível, a comissão está propondo algumas medidas polêmicas. Uma delas, que vai ao encontro do princípio da repercussão geral introduzido no Supremo Tribunal Federal com base na Emenda Constitucional nº 45, é a "coletivização" das demandas. A ideia é que litígios idênticos passem a tramitar em conjunto nas instâncias inferiores. Uma das ações seria escolhida para ser analisada, enquanto as restantes ficariam paradas. A decisão dada ao "processo piloto" serviria para balizar o destino das demais ações.
Outra medida polêmica é a que permite ao advogado de uma parte intimar diretamente a parte contrária para depor, sem que a comunicação tenha de ser feita obrigatoriamente por um oficial de Justiça. A justificativa é que alguns advogados corrompem esses servidores, pagando propina para que retardem ou acelerem a intimação. Argumenta-se, ainda, que a inovação pode adequar o "tempo judicial" ao tempo dos investidores e dos empresários, agilizando, a tramitação e a execução das ações de cobrança.
A proposta mais controvertida é a que possibilita a execução imediata da sentença, independentemente do direito de recurso da parte derrotada. Ou seja, a medida acaba com o efeito suspensivo dos recursos judiciais. Por mais que o advogado da parte derrotada possa apelar, o recurso não interromperia o cumprimento da decisão judicial. Com isso, o valor de uma indenização determinada por um juiz de primeira instância teria de ser pago imediatamente. O problema é que, como os tribunais superiores podem alterar essa decisão, a liquidação imediata da obrigação poderia criar situações irreversíveis, como a da impossibilidade de restituição da indenização.
Embora os juízes de primeiro grau possam exigir garantia real da parte por eles favorecida, o ministro Luiz Fux reconhece que a inovação precisa ser aperfeiçoada, tais os riscos que encerra. "Só em caso de loucura furiosa é que se pode admitir uma regra dessa. Improviso e consequência só são bons para fazer pipoca", diz o advogado Sérgio Bermudes. Para muitos especialistas, se o fim do efeito suspensivo dos recursos judiciais for consagrado pelo novo CPC, os advogados apelarão para mandados de segurança, o que sobrecarregaria os tribunais, em vez de descongestioná-los.
Em círculos governamentais e empresariais, a reforma do CPC é recebida como uma iniciativa capaz de levar à redução do chamado "custo Brasil". Nos meios forenses e acadêmicos, porém, o entendimento é de que a comissão de reforma do CPC está dando excessivo valor a inovações jurídicas determinadas exclusivamente por razões econômicas. Para muitos juristas, o excesso de preocupação com a celeridade judicial pode esvaziar o direito de defesa, comprometer a segurança jurídica e, no limite, desfigurar o próprio direito.
As audiências públicas serão decisivas para evitar que a necessária modernização do CPC ponha em risco os direitos fundamentais.